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Flagrante Preparado

É sabido que doutrina e jurisprudência, têm se voltado contra um fenômeno processual chamado tecnicamente de flagrante preparado, onde nesse caso: “há um simulacro de ação que concretiza o tipo. Somente na aparência é que ocorre um crime exteriormente perfeito. Na realidade, o seu autor é apenas um protagonista insciente de uma comédia”.[1]

Tal interpretação se dá pelo fato de nesses casos: “o desprevenido sujeito ativo, opera dentro de uma pura ilusão, pois, ab initio, a vigilância da autoridade policial ou do suposto paciente torna impraticável a real consumação do crime”.[2]

              O dado fático que torna um flagrante, tecnicamente “preparado”, é “a intervenção provocadora da autoridade policial”[3], que atua, de forma direta ou indireta, para a eclosão de uma violação de um bem jurídico, que, antecipadamente, está sob permanente vigilância e não tem como sofrer nenhum risco real.

Essa exegese emana do Supremo Tribunal Federal que, na Súmula 145 decidiu: “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

              Um que contamina toda a ção policial nos casos de flagrante preparado a certeza de que o bem jurídico nunca chega sequer a ser ameaçado, pois está sob antecipada e permanente vigilância, já que o policial recebeu o apelante monitorado por um gravador, previamente colocado pela polícia federal, tornando qualquer atentado a este bem, um crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto.

“Há flagrante preparado e crime impossível se a vítima, alertada pela polícia, foi ao encontro do agente estimulada pela autoridade policial e sob proteção desta” (TACRSP –RT 564/346)

              Corroborando esse entendimento, ROBERTO DELMANTO JUNIOR, traz a interpretação que: “no flagrante provocado ou preparado, em conformidade com a já citada Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal, a consumação do delito é impossível, tendo-se em vista o fato de não restar ameaçado ou efetivamente ofendido qualquer bem juridicamente tutelado.”[4]

Diante desse quadro exposto, é seguro que os fatos se adequam perfeitamente ao que a doutrina chama de flagrante preparado ou provocado, onde a partir de uma participação direta ou indireta da polícia, para a eclosão de uma conduta que, em tese, caracteriza um tipo penal, mas que nunca chega a sequer ameaçar o bem jurídico tutelado pela lei penal.

              EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA, assim explica o que consiste o flagrante preparado: “Normalmente o exemplo apresentado para fins de caracterização do flagrante preparado ou provocado parte da suspeita existente acerca da autoria de delitos anteriores, de tal maneira que um terceiro, denominado agente provocador, atuaria com a finalidade específica de proporcionar uma situação de realidade na qual o suspeito se veria compelido a repetir a infração. No momento em que ele assim atuasse, a polícia, já previamente colocada em posição estratégica, efetuaria a prisão em flagrante”.[5] (grifamos)

Igual lição se extrai da doutrina de Aury Lopes Jr.[6], para quem “o flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução, um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso. Trata-se daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador. Bitencourt explica que isso não passa de uma cilada, uma encenação teatral em que o agente é impelido à prática de um delito por um agente provocador, normalmente um policial ou alguém a seu serviço. É o clássico exemplo do policial que, se fazendo passar por usuário, induz alguém a vender-lhe a substância entorpecente para, a partir do resultado desse estímulo, realizar uma prisão em flagrante (que será ilegal).”

Tal lição lembra bastante o que ocorreu no caso: segundo depoimento da testemunha, Delegado Gustavo Barros, havia uma suspeita de que o recorrente teria interesse em obter informações sigilosas da Polícia Federal. O escrivão tinha um contato pessoal com o denunciado por força de amigos comuns. Desse conhecimento pessoal, surgiu, segundo versão do policial, uma proposta de um contato na residência do mesmo, somando todos esses dados, efetivou-se um chamamento, absolutamente desnecessário, e desacompanhado do advogado habilitado aos autos, totalmente monitorado por gravadores, onde o policial, sabendo que poderia sofrer um assédio financeiro, ainda insistia que o recorrente fosse mais claro. Restando a nosso sentir, configurada a hipótese de flagrante provocado.

Entretanto, data máxima vênia, não cabe, in casu, a alegação de que tais fatos não caracterizariam o flagrante “preparado”, mas sim o “esperado”, pois, “neste caso, a polícia simplesmente espera, vigia um provável autor do fato criminoso, até que ele mesmo, sem provocação qualquer, revela-se”[7](grifamos). Para Aury Lopes Jr.[8] “quando a polícia não induz ou instiga ninguém, apenas coloca-se em campana (vigilância) e logra prender o agressor ou ladrão, a prisão é válida e existe crime. É o que ocorre na maioria das vezes em que a polícia, de posse de uma informação, se oculta e espera até que o delito esteja ocorrendo para realizar a prisão.”

A nosso entender não é esse o caso em epígrafe, não houve por parte da polícia ação exclusivamente passiva, muito pelo contrário, a participação foi direta e ativa, senão vejamos: os telefonemas para o apelante comparecer na delegacia, mesmo existindo advogado habilitado, que é quem deveria ter sido acionado para tal ato; certo grau de intimidade entre policial e acusado; a própria expressão, repetidas vezes: “seja mais direto”, por si só, já é reveladora dessa participação, ou seja, revela uma instigação para o aprofundamento da conversa sobre as indagações do apelante; outro ponto que não pode ser desprezado e a preparação do ambiente em que o processado foi recebido pelo escrivão, que foi isolado para dar mais privacidade entre os dois, enfim, o auto de flagrante revela mais do que uma mera expectativa da ocorrência de um crime, que, aliás, impossível de ocorrer, por absoluta proteção do bem jurídico.

Desse modo, o flagrante provocado, “não se confunde, segundo se tem decidido, com o flagrante esperado, em que a atividade policial é apenas de alerta, sem instigar o mecanismo causal da infração, e que procura colher a pessoa ao executar a infração”[9]

Só para que reste clara a interferência na cadeia causal desses fatos, se o contato para anexar o documento (ressalte-se que julgamos desnecessária essa diligência posto que o denunciado já havia sido indiciado e qualificado) fosse feito junto ao advogado habilitado aos autos, fatalmente, nunca teria ocorrido esse contato pessoal entre policial e investigado.

 Por fim, é definitivo o argumento de que as providências policiais tomadas previamente tornaram impossível a consumação do delito, “quer porque o agente não dispõe de meios necessários para conseguir a consumação, quer por ser inexistente ou impróprio o objeto material que a permitiria”[10], em virtude do monitoramento e provocação pré-existentes.

 

Roberto Lauria

Advogado e Professor



[1] Alberto Silva Franco. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Pág. 260.

[2] Ob. Cit. Pág.261.

[3] HC 278.075-3/6 - TJSP

[4] As modalidades de Prisão Provisória e seus Prazo de Duração. Pág.111.

[5] Curso de Processo Penal. Pág.425.

[6] Direito Processual Penal. Pág. 807.

[7] RAMOS, João Gualberto. A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro. Editora: Del Rey. P.403.

[8] Ob.Cit.p. 808

[9] MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. P. 379.

[10] Idem, P.380.


 
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